Antes de abordar a reportagem a qual é a razão dessa
divulgação vou deixar nestas páginas o meu depoimento pessoal. Na década de 70
quando eu era muito jovem percebia como o alcoolismo era visto no Nordeste do
Brasil, em especial no “polígono da seca” onde vivi por 20 anos.
O homem nordestino que se excedia na bebida era visto como
um cabra safado. Para a sociedade dele o sujeito bebia porque não conseguia se
controlar e queria chamar a atenção; principalmente da família, ou seja, era um
infeliz por vontade própria. Mas quando me tornei uma leitora e fui para a
cidade grande percebi que o alcoolismo era visto como uma doença e também como
uma droga igual às outras que causam mal a saúde, ao bolso e a família.
Talvez o meu marido nunca saiba desse depoimento porque ele
nunca lê o que eu escrevo. Quando me casei em 1980 ainda não conhecia os
hábitos do meu noivo nem tampouco da sua personalidade, porque estava muito
apaixonada e só, completamente só para refletir sobre quem era o homem que me
ganhara pelo resto da minha vida. Quem eu era afinal? Uma jovem nordestina que
só conhecera sofrimento e seca. Famílias numerosas, carentes de carinho, pais
que jogavam os filhos no mundo porque precisavam transar e as mulheres não
tomavam o anticoncepcional simplesmente porque a pílula ainda não chegara. Tenho
dez irmãos e nunca vira o meu pai fazer um carinho num filho. A imagem que
guardo dele é de um homem muito sério e furioso às vezes. Fomos educados com
valores de honestidade, não matar, não roubar, não desejar as coisas alheias e
nunca responder aos mais velhos. Tudo isso aprendemos na igreja católica na
qual a nossa mãe nos levava toda semana ou a cada mês uma vez que para isso
deveríamos andar dezoito quilômetros a pé. Mas será que faltar somente o
carinho faz a diferença? Certamente, porque o toque estimula a sensibilidade e
destrói a frieza.
O meu casamento começou de forma errada, mas como o amor
supera obstáculos sobrevivi até superar a dor. E hoje me sinto a vontade para
falar sobre isso. Nunca bebi, nunca fumei, nunca cai numa farra e de repente o
meu marido ficava bêbado de vomitar e causar vexame. Com três crianças era
normal irmos a festinhas de aniversário e também fazíamos as nossas todo ano
por três vezes. Quando os convidados chegavam ele já tinha bebido o dia inteiro
para recebê-los. Depois ficava pelos cantos e me perseguindo aonde eu ia que normalmente
era para a cozinha. As festas sempre foram muito rápidas e quem demorasse
chegava na hora de apagar a velinha. E eu tinha que fazer todos os papéis:
mulher feliz, mãe carinhosa, empregada da casa e nora exemplar. Morei com a
minha sogra durante 25 anos. Os convidados ficavam ocupados comendo os
deliciosos quitutes que eu mesma fabricava. Recebia muitos elogios e ninguém percebia
o grau do meu sofrimento, pois morria de vergonha que uma amiga percebesse que
ele já estava tomado pelo álcool. Quando a festa terminava ele vomitava no
tapete e acordava de mau humor. O meu casamento sempre fora recheado de
discussões. Sou teimosa e sei o que desejo para mim. No entanto a causa de
tanto sofrimento tem a sua raiz nos valores que ganhamos dos nossos pais.
Esta série de depoimentos que li por tantas vezes e que foi
divulgada pela revista Claudia está sem data, mas provavelmente foi na década
de oitenta ou noventa. Nessa época eu vivia um martírio doméstico que me fez
crescer como mulher. Cada linha de depoimento dessas mulheres corajosas me
ajudou a entender o problema e não cair no poço da depressão; pelo contrário,
elas me ajudaram a ser o que hoje sou: uma mulher independente e casada com o
mesmo homem que ainda amo. Eu vi a minha história que hoje volto a ler nas
páginas amareladas que destaquei e guardei como relíquia.
TRANSCRIÇÃO:
MEU MARIDO BEBE MUITO
Será que ele é alcoólatra?
Um dia ele chega de pilequinho, você
até acha graça. Depois a coisa passa a ser um hábito e você se pergunta até
onde é normal, “já que todo mundo bebe”. Normal sim, até certo ponto...
Reportagem: Cristina Ribeiro Nabuco (SP)
E Aída Veiga (Rio)
O ator Humphrey Bogart disse uma vez que o grande problema
da humanidade é que a natureza fez o homem com duas doses a menos. O psiquiatra
Eduardo Mascarenhas acha que para corrigir essa “falha” da natureza, milhares
de pessoas recorrem aos drinques numa tentativa de colocar a vida em ordem. Mas para oito
milhões de brasileiros (dado aproximado do número de alcoólatras existentes no
Brasil), duas doses são apenas o começo. Logo esticam para três, quatro, daí a
pouco estão com a garrafa debaixo do braço.
Normalmente a história de quem tem “queda” para a bebida
começa na adolescência. Depois se bebe moderadamente até os 30 anos, e daí por
diante as doses vão aumentando pelos mais variados motivos. Ou sem motivo
nenhum. Foi o caso de Bozo Udovic Banic, 41 anos, vendedor, casado há dezesseis
anos com Maria. Bozo é um alcoólatra recuperado, abandonou a bebida há seis
anos e relembra quando tudo começou: “Com uns treze anos eu bebia nas festinhas
para dar ânimo, poder tirar uma menina para dançar __ eu era muito tímido. Fui
bebendo assim até os dezesseis anos. Aí as dosagens foram aumentando, eu e
minha turminha de amigos começávamos a namorar, achávamos que sabíamos o que
queríamos. Nessa época começamos com os famosos porres. Eu ia dormir não me
sentia mal. Acordava voltava tudo ao normal; eu bebia mais, aumentava as doses.
Até que conheci Maria. Perto dela eu evitava, usava chicletes para disfarçar”.
Antes de casar a mãe de Bozo avisou Maria que ele era
bêbado. Mas ela disse que se casava assim mesmo e depois eles se acertavam. Mas
não foi bem assim: A VIDA SE TRANSFORMOU NUM INFERNO. Bozo não parava no
emprego, batia em Maria, mas curiosamente, não lhe passou pela cabeça que podia
ser um alcoólatra. “Eu achava que era normal como os outros. Mas com os anos...
O álcool é lento, progressivo, não tem pressa de destruir o ser humano. Fui
bebendo, aumentando as doses. Quando me sentia mal, fígado e estômagos
atacados, eu passava uns dois meses sem beber. Automedicava-me, voltava ao
normal e recomeçava a beber tanto quanto antes.”
MEU MARIDO BEBE
QUEM TOMA UMA GARRAFA DE VINHO POR DIA ESTÁ NO LIMITE
Profissões de alto risco “alcoólatra”, assim poderíamos
definir os executivos, publicitários, vendedores e tantas outras atividades que
exigem uma performance social onde o álcool entre como ingrediente básico do
ritual. Quanto mais sucesso, mais chance tem o homem de beber. Isso é um fato
comum, integrado ao nosso cotidiano. Mas é bebendo cotidianamente que uma
pessoa pode ser tornar alcoólatra. Maria Bernadete uma jovem dona de casa,
pensou como a maioria das mulheres que vivem tal situação, não haver nada de
errado com o comportamento de seu marido, um bem sucedido diretor de marketing.
“Ele bebe como todo mundo, mas de uns tempos para cá começou a ficar esquisito,
mudou até o seu comportamento com os filhos. Irritado já chega em casa meio
alto, corta o papo com as crianças __ há muito tempo não se preocupa em ver as
lições de júnior __ e parece que nem me vê. Todo dia ele já chega em casa
‘calibrado’ e cai no sofá com um copo de uísque e de lá só sai para completar a
dose. Mas eu não acho que o meu marido seja um alcoólatra. De jeito nenhum!”
“A reação de Maria Bernadete é comum até certo ponto”,
revela o Dr Hélio Elkis, psiquiatra e psicanalista, com tese de mestrado sobre alcoólatra
crônico. “A mulher tem a maior resistência em assumir-se como mulher de
alcoólatra. Mas tem que se encarar de frente que está com um problema desse
porte.”
Independente da vontade de Maria, devagarzinho seu marido
está minando seu organismo, o sistema nervoso já está abalado. Como Maria
descreveu, Alberto já mostra alterações de comportamento. De fato ele ainda não
é daqueles alcoólatras clássicos que logo de manhã precisa de um trago para
continuar vivendo. Mas certamente ele abusa do álcool, e se continuar nessa
marcha tornar-se alcoólatra é questão de tempo. Mas qual a diferença entre
abusar do álcool e ser um dependente? Para o Dr. Elkis, há uma diferença
fundamental: “Abusa quem bebe quantidades excessivas por dia e começa ater
prejuízos no trabalho e com a família. Tem dependência quem acorda de manhã
tremendo e precisa beber. Isso é clássico, essa é a diferença. Você pega um
executivo, por exemplo, que está bebendo os seus três ou quatro uísques por
dia, em geral à noite, e em função disso começa a ficar inconveniente, a chegar
tarde em casa. É sinal de que está havendo abuso do álcool, mas ele ainda não é
um dependente. Mas, entre oito e dez anos, esse abuso constante leva a
dependência”.
João Ricardo tem 42 anos, é diretor administrativo de uma, multinacional,
casado dois filhos adolescentes. Todo final de expediente é hábito entre os
diretores da empresa um uisquezinho para descontrair “É a hora em que a gente
discute os problemas do dia com menos tensão. Às vezes continuamos, porque
temos um convidado para o jantar, e aí sim a coisa vai longe, porque em geral
tem o licor de fim de noite ou mais um scotch para ouvir uma boa música. Tenho
sorte, meu fígado não reclama.”
Regina, mulher de João Ricardo, diz que já faz muito tempo
que os dois não conseguem ter uma boa conversa, a não ser numa mesa de bar ou
com um copo de uísque entre eles. “Não é que ele fique chato. Acho que, se muda
é para melhor. Depois do terceiro copo, o João Ricardo parece outra pessoa:
mais solto, mais aberto __ logo ele que é uma pessoa tão quieta.”
É aí que mora o perigo, como diz Jô Soares. Beber em si não
é alcoolismo. Mas quando se usa a bebida para falar mais firme com o chefe,
para aliviar a tensão (e todo dia estamos tensos), para dominar a timidez, para
poder desempenhar um papel, estamos a um passo do precipício, porque se um
uisquezinho solta a língua e descontrai o corpo, amanhã serão necessários dois,
depois três, e assim progressivamente aumenta-se as doses para se atingir o
mesmo resultado.
É difícil definir alcoolismo. Uma regra que funciona é
quando a pessoa perde a liberdade de escolha, quando não consegue falar “eu já
tomei minhas duas doses e não vou beber mais.”
Na opinião de Bozo, que abandonou a bebida há seis meses,
deve haver uma normalidade no ato de beber: “Normal é aquela pessoa que bebe
dois, três copos, uma cerveja, uma ou duas vezes por semana”. Todo aquele que
bebe mais de três doses diárias, eu acredito é um alcoólatra em escala menor.
Daí vai progressivamente até não controlar mais.
Veja, no começo eu bebia porque gostava. No fim o corpo
pedia”. Existe um determinado momento”, afirma o Dr. Elkis, em que pode ocorrer
a ruptura, e do abuso a pessoa passa a ser dependente.”
“MEU MARIDO É ALCOOLATRA. MAS ESTÁ SÓBRIO HÁ QUATRO ANOS”.
“O Zé sempre gostou
de uma bebidinha. Casamos muito cedo e éramos um casal de dar inveja a todo
mundo. Já naquela época o Zé gostava de beber, mas só nos fins de semana. Com o
tempo ele foi bebendo cada vez mais. Ao mesmo tempo em que aumentavam os
porres, eu tentava ter filhos e não conseguia. Até que descobri que não podia
ter filhos __ e o Zé queria ter uma dúzia. Aí ele começou a beber mais e mais e
eu me sentia culpada. Achava que ele bebia porque não podia ser pai. Ele
continuava tendo sucesso na profissão. Mas quando chegava a sexta-feira ele
ficava ansioso para começar a beber. E quase toda segunda eu ligava para a
agência onde ele trabalhava dando uma desculpa. Comecei também a pagar as desprezas
da casa (seu dinheiro ia para a bebida com os amigos). Era muito raro ele
querer fazer amor e, quando queria não se preocupava mais comigo: só queria
saber do prazer dele. Até que tirei umas longas férias e me separei dele. O Zé
veio atrás pedindo mil desculpas, prometendo não beber mais e quando decidi
voltar, ele abriu uma garrafa de uísque para “beber morar a minha volta”. Até
que um dia minha psicóloga me encaminhou para o AL-Anon. Foi aí que descobri
que nada podia fazer contra a doença do meu marido e que eu não tinha culpa
nenhuma. Fui mudando de comportamento, cuidando mais de mim e menos do Zé. Aos
poucos ele foi percebendo a minha mudança e sofrendo com ela. Quando eu já
estava quase um ano no AL-Anon, ele resolveu procurar os AA (Alcólicos
Anônimos). A bebida começava a prejudicar sua carreira (ele vivia esquecido).
Ele ficou três anos no AA. Quando percebeu que não precisava mais beber, que
podia controlar sua obsessão, partiu para uma terapia. Todo esse processo foi
muito duro, mas estamos lutando para ser feliz”.
“Mais de três uísques diários trarão problemas futuros”
“A gente hesita em aceitar que o problema existe”, conta
Mariana, 38 anos, “mesmo que esteja na cara como foi o meu caso. Fechava os
olhos e dizia que meu marido não era alcoólatra. Engraçado que ele também se
fazia a pergunta, geralmente depois de um grande porre. Até hoje reluto em
admitir que ele não pode beber.” Uns podem outros definitivamente não podem.
Essa é a regra. Quem pode beber jamais será perdido pelo vício, mesmo que beba
exageradamente: pode porque não depende do álcool para melhorar (como acredita
o alcoólatra) sua performance no mundo. Você pode até se chatear com as suas
eventuais bebedeiras, mas sabe que no outro dia ele estará refeito, lamentando
ter bebido tanto. Já para quem não pode o álcool é uma verdadeira ameaça. Ou
ele nunca bebeu (portanto impossível saber se é um alcoólatra), ou ele já bebeu
e muito e você já deve ter ouvido falar __ ou visto antes de se casar com ele.
Mariana relembra: “Desde a adolescência meu marido bebia. Minha sogra me avisou
antes do casamento. Mas pensei que depois a gente resolveria. Não resolvemos.
Meu marido só parou de beber a seis anos: somos casados há 15 __ Foram nove
anos de duras batalhas”.
Para este alcoólatra em potencial, abusar da bebida é um
perigo. Ele não pode beber. Pedro, o marido de Mariana, apesar de hoje ser
abstêmio, sabe que, se tomar uma taça de champanhe no réveillon, não vai mais
conseguir parar. “Para se tornar abstêmio, o alcoólatra precisa ser cercado dos
maiores cuidados”, aconselha Eduardo Mascarenhas. Ele pode sob supervisão
médica, recorrer a drogas que criam um horror à bebida. Porém isso é um
quebra-galho. O alcoólatra deve fazer uma prolongada psicoterapia para ajudá-lo
a resolver os conflitos sem o auxílio do álcool. Minha experiência contudo,
revela que até uma análise profunda para muitos casos é insuficiente.”
E Mascarenhas aponta a recuperação através dos alcoólicos
anônimos, o AA como a via mais eficiente para se chegar à cura: O ideal é a
combinação de uma psicoterapia com o AA. Um membro mais experiente do AA
funciona exatamente como um psicanalista, só que, como ele é um ex-bebedor,
sabe como ninguém colocar as palavras à alma do bebedor. Por isso as sessões do
AA funcionam, parecem terapia de grupo.”
Ninguém pode se tratar no lugar do dependente do álcool. Ele
precisa buscar em si a força necessária para deixar de beber. Mas quem tem um
marido alcoólatra precisa de ajuda para não assumir culpas. ”É um ato de
profundo amor, de muito respeito”, diz o psiquiatra Cid Merlino Fernandes, do
Centro de Recuperação Girassol, “quando a mulher chega para o alcoólatra e diz:
‘Te amo, mas não tenho pena de você’.”
“O alcoólatra não
bebe porque tem problema: ele tem problema porque bebe”
A afirmação do Dr. Cid Merlino Ferandes, psiquiatra do
Centro de recuperação Girassol, com alcoólatras e dependentes de drogas. “Existem
teorias que dizem que o alcoolismo é fruto de trauma na infância, de problemas
na fase oral do indivíduo”. Ele bebe emoções, relacionamentos, mas isso não
quer dizer que ele bebe porque tem problema: ele tem problema porque bebê!
Mesmo sem ingerir álcool, o alcoólatra já é um alcoólatra. A diferença entre um
alcoólatra e um bebedor social está nos pontos: O alcoólatra tem:
1) Ressaca com extremo remorso, enquanto o bebedor social
fica apenas com uma terrível dor de cabeça.
2) Obsessão pela bebida, enquanto o bebedor social só bebe
quando surge a oportunidade.
3) O alcoólatra programa suas bebedeiras, enquanto o bebedor
social fica de porre quando menos espera ou quando tem um motivo determinante
__ uma briga com a esposa ou a vitória do seu time. Geralmente a mulher de um
alcoólatra se pergunta por que ele bebe tanto. Muitas dizem que fazem tudo por
seus maridos __ até mesmo se submetem a relações sexuais degradantes. E, mesmo
assim, eles continuam bebendo. Elas pensam: ‘Como ele está bem no trabalho, se
nossos filhos estão bem, então é comigo o problema’. Quando a mulher chega a
esse discurso, já perdeu toda a auto-estima, todo amor por si própria e está
tão envolvida com a bebida quanto o próprio alcoólatra. Mas tomando conta do
marido, livrando-os dos problemas conseqüentes de suas bebedeiras, ela está
ajudando seu parceiro a continuar a beber. O alcoólatra não tem culpa por ser
alcoólatra, mas tem culpa dos estragos que faz. Ela precisa desligar-se dele.
Todo alcoólatra alcooliza sua família: dessa regra ninguém escapa. Tanto a
família quanto a mulher precisam curar-se desse alcoolismo. Ela precisa ter
auto-estima e cuidar apenas de sua vida para que o alcoólatra tente cuidar da
sua. Só quando o alcoólatra começa a ver que sua própria mulher está tentando
ser feliz __ apesar de ele continuar bebendo __ é que pode começar o seu
processo de cura.”
“Todo alcoólatra alcooliza sua família: dessa regra ninguém
escapa.”
“Geralmente a mulher de um alcoólatra se pergunta por que
ele bebe tanto.”
“Ela precisa ter auto-estima e cuidar apenas de sua vida
para que o alcoólatra tente cuidar da sua.”
‘“Te amo, mas não
tenho pena de você’.”
“O alcoólatra não tem culpa por ser alcoólatra, mas tem
culpa dos estragos que faz. Ela precisa desligar-se dele.”
Todas as frases em destaque são poucas para a realidade que
vivi por mais de 30 anos. Sou mulher de alcoólatra que nunca admitiu que eu
falasse tal frase. Com o meu casamento marcado, no dia do chá de cozinha vi o
meu futuro marido completamente embriagado. Fiquei tão assustada que liguei
para a minha mãe lá na Bahia. Então ela me deu um conselho muito sábio: ‘Se
você ainda for virgem e não gostar dele pode terminar que ainda há tempo
(aprendi que deveria me entregar ao meu primeiro marido e viver com ele até que
a morte nos separe). Mas se você o ama pode casar com ele. Mulher precisa de
uma família e você está longe da sua. Depois você vai encontrar uma saída. Você
é muito inteligente!’
Casei-me já grávida da minha primeira filha e nos primeiros
anos resolvi completar a família de três que ele tanto queria. Mas foi horrível
o pesadelo que vivi por muitos anos até procurar ajuda com amigos e também com
a revista Cláudia. Assistia a programas de rádio. As agressões verbais sempre
me machucaram, mas a melhor saída e bem planejada foi resgatar o passado quando
escrevi sob a luz fosca do abajur a minha autobiografia. Minha carta de
alforria. Criei os meus filhos e eles estudaram tanto que são hoje pessoas bem
sucedidas, independentes e saíram de casa logo após os dezoito anos. O meu
filho escreveu uma redação na escola dizendo que quando fosse adulto queria ser
igual à mãe. Passamos por tantos conflitos e aprendemos com a autoestima e o
sucesso no trabalho. Para mim a fuga foi o trabalho. Mas se alguém me perguntar
quantas vezes eu já discuti com o marido eu não saberia dizer. Mas o nosso amor
foi lindo nas madrugadas quando ele já estava sóbrio. “PERDAS E DANOS”? Tivemos
muitas: amigos, passeios, religião, harmonia, prazeres sociais. Mas ele é o
maior perdedor porque depois dos 50 anos a sua saúde já estava detonada. E eu
estou inteira para cuidar dele. Minha saúde física e mental é ótima como também
a dos nossos filhos. Quem nos ajudou? Com certeza uma reportagem como esta e tantas
outras que li e reli por tantas vezes. Se estamos juntos é porque ainda vale a
pena. E provavelmente só uma decisão dele nos separa e eu não acredito nisso.
Passei a fazer tudo o que eu queria e me tornei uma mulher independente e hoje
vivo a alegria de construir um futuro cheio de realizações depois dos 56 anos.
Ainda há tempo? Já me sinto vivendo esse
tempo a muito tempo.
Gelza Reis Cristo