JANE AUSTEN - Pesquisa por Gelza Reis Cristo




Tradição e Miss Austen

Primeiramente, J. I. M. Stewart nos sugere uma forma de ler e compreender os romances, uma maneira de retirar deles toda a sua essência, tudo o que o autor quis transmitir. Salienta que é importante saber detalhes sobre a produção do romance, o modo como o autor desenvolve o texto e seu ambiente de trabalho. Além disso, deve-se conhecer a opinião do autor sobre a própria obra que escreveu e sobre a posição que ocupam na literatura da maneira geral. Qual seria a origem dos personagens? Até que ponto estão ligados ao autor?
Para facilitar esse tipo de análise, a qual nem sempre é fácil, o Stewart cria uma situação hipotética na qual uma sala de leitura reúne alguns dos mais famosos escritores ingleses. Uma observação atenta deve ser feita, incluindo gestos e expressões.
Como se trata apenas de uma situação imaginativa, o autor aconselha que esta análise seja feita com escritores precursores e consagrados, pois estes já foram exaustivamente estudados e consolidados por estudiosos e outros escritores. Entre os novos autores, essa análise seria mais difícil devido a sua irregularidade e às contradições que mantêm entre si.
Após essas considerações, mergulha em seu assunto principal: Jane Austen. Acredita ele que Jane seria um bom objeto de análise pois se trata de uma autora relativamente obscura entre os acadêmicos, sem uma grande obra publicada a seu respeito. Seus hábitos e costumes são um grande mistério apesar de ser facilmente reconhecida pela autenticidade de suas obras.
Discorre um pouco sobre a sua “estante”, ou seja, algumas de suas possíveis influências: as novelas de Fanny Burney, peças como Lovers’ Vows, The Rambler (prosa moral), Marmion, etc.
Pelo próprio mistério que existe em torno de sua figura, acredita-se que Jane tinha uma maneira particular de se aproximar do real e que não expressava totalmente seus pensamentos. Teria deixado muitas coisas por dizer.
Os romances de Jane seguem o padrão tradicional sobre a vida provincial inglesa: a criação de dois casais e o desenvolvimento de seus relacionamentos. São conhecidos pela sensação de leveza, relaxamento e até mesmo felicidade que trazem a seus leitores. O autor cita inclusive o fato de serem leitura constante de enfermos de guerra. Além disso, são apreciados por boa parte do público, que em geral preferem romances simples e descomplicados, que tenham requinte e elegância. É considerada a última herdeira da grande tradição romancista.
Talvez por esses motivos tenha ela inúmeros críticos. Estes, em sua maioria acadêmicos, não valorizam suas obras, as quais consideram inúteis, apenas um reles passatempo. Chamada de amadora e imitada, segundo eles não sabia ousar.
Esquecem porém que Jane Austen pertence a um período no qual a função da literatura era estritamente a de divertir. Os livros da época eram repletos de gravuras o que exercia uma espécie de atração superficial nos leitores. Limitam-se também a uma análise breve, sem perceber o tom satírico e irônico que é utilizado para retratar o ser humano e as situações que vive.
Nos romances de Austen, percebe-se que as crianças, a natureza, a aristocracia, todos têm uma função específica na história, contribuindo de alguma forma para o desenvolvimento dos conflitos. Outra característica importante de seus romances é a forma como os homens são retratados. Em momento algum revelam falhas em sua masculinidade ou apresentam conflitos internos. Todos têm plena consciência de sua posição e funções na sociedade. Não são mostrados por completo. O mesmo pode-se dizer com relação às mulheres. Além disso, vale ressaltar que as relações sexuais entre os indivíduos são pouco exploradas.
O ápice de suas obras encontra-se realmente em suas heroínas. São elas que fazem com que Jane ultrapasse a simples “literatura passatempo” para algo maior, que prende o leitor e o leva mais longe.
Como será tratado mais profundamente a seguir, há uma “preocupação moral intensa” em seu trabalho. Uma moral estreita e prudente, ligada à interesses materiais e a necessidade de manter um relativo status social.

JANE AUSTEN E OS MORALISTAS
Parte I
Jane Austen é freqüentemente descrita apenas como uma pintura em miniatura. Seu bem aventurado ‘ pedacinho ( duas polegadas) de marfim’. Várias vezes fixado o tom da crítica. Segundo Gilbert Ryle a intenção dele é mostrar que ela foi muito mais que isso. Quer gostamos ou não ela foi moralista. No fino senso da palavra em curso, todo romancista é um moralista que nos mostra os modos ou algo mais de seus personagens e a sociedade em que eles vivem. Mas Jane Austen foi uma moralista em um grosso sentido o que e como escreveu. Seus interesses gerais até mesmo as questões teóricas sobre a natureza humana. Dizer isso no entanto; é afirmar que ela foi moralizadora. Há de fato uns moralismos em Razão e Sensibilidade (...).
Gilbert Ryle não se propõe a dizer se Jane Austen foi ou não foi filósofa (ainda que frustrada , mais sim, ao abordar questões filosóficas uma vez que os temas por ela trabalhado: a natureza humana e a conduta humana foi de muito interesse para os filósofos.
Os títulos escolhidos por ela como Razão e sensibilidade , Orgulho e Preconceito e Persuasão. Nenhum deles por acaso, pois os mesmos são formados de substantivos abstratos; o primeiro é cabeça e coração, sentimento, julgamento, emoção, sensatez e sensibilidade. O segundo é realmente sobre o orgulho, julgamentos errôneos; que provém de orgulho infundado, excessivo, enfim... já o terceiro é persuasão versos persuasão e superpersuasão. Em Razão e Sensibilidade não é apenas Elinor, Marianne e a Sr. Dashwood que dão exemplos de equilíbrio entre julgamento e sentimento, quase todos os personagens se revelam em todos os modos e graus julgamentos e sentimentos. John Dashwood tem sentimentos filial e paternal; um pouco superficiais por causa da influência da esposa. Sir John Middleton é o tipo genuíno que faz gentilezas a todos independente de quem seja. A Mrs. Gennings tem a personalidade vulnerável que muda no decorrer dos fatos. É uma mulher vulgar e que tem um coração estéril. A cabeça também não é muito boa. Lucy Steele professa sentimentos profundos, só que são falsos, se assemelha a sogra que é insensível.
Marianne e Elinor são parecidas nos sentimentos profundos e genuínos. A diferença é que Marianne se deixa envolver com euforia com dor e ansiedade ao ponto de se comportar como louca; ou seja, pura sensibilidade. Elinor mantém a calma com racionalidade e sensibilidade. São verdadeiras amostras abstratas. Cabeça e coração de ambas são antagônicos: uma personagem é dor e a outra, alegria exacerbada (questiona o teórico). Elas opõem-se e também se opõem a todas as outras personagens do pequeno mundo que as cercam. O contraste entre Lucy Steele em relação a Elinor e Marianne está em que na primeira é puro fingimento e nas duas últimas está a sensibilidade e a razão. O contraste entre Willloughby e Edward são os sentimentos superficiais de um e o sentimento profundo do outro. Os sentimentos de Lady Middleton são poucos e concentrados em seus filhos. Já o marido dela esbanja sentimentos e deseja que todos sejam felizes.
Jane Austen localiza com precisão as qualidades e características de cada personagem, comparando-as umas com outras; diferentes graus de qualidades, deficiências, falsidade, superficialidade.
Assim, em “Orgulho e Preconceito”, quase todas as personagens exibem muito ou pouco orgulho. Orgulho esse que pode ser dos tipos bom, bom, bobo, falso ou genuíno. Elizabeth avalia as pessoas por seu próprio mérito. Jane é absolutamente insegura. Mr. Benett é orgulhoso assim como suas irmãs vaidosas e esnobes.
Há semelhanças entre as duas obras (Sense and Sensibility e Pride and Prejudice). Ryle ressalta as personagens principais de cada obra, estabelecendo um paralelo ao mostrar como Jane Austen, de fato, abordou problemas da natureza e da conduta humana. Entre eles estão a superficialidade, a falsidade, as emoções que vão além do limite, etc.
Ryle espera assim ter sido claro ao explicar por qual razão Jane escolheu substantivos abstratos para títulos de suas obras.
 Razão e Sensibilidade – tenta mostrar que os sentimentos profundos são compatíveis com a razão.
 Orgulho e Preconceito – o que gêneros e graus de orgulho são capazes de fazer com o direito de pensar e de agir.
 Persuasão – quando as pessoas devem ou não deixar convencer-se por certos tipos de conselhos.
Ryle parte então para a análise de “Emma” e “Mansfield Park” em que já não há substantivos abstratos. Para ele, “Emma” deveria Ter sido intitulada “Influência e Interferência” ou “Solicitude”. A questão aqui abordada por Jane é: o que legitima uma pessoa a tentar interferir na vida de outra e mudar o seu rumo, quando tais tentativas fracassam? Onde está a linha divisora entre a ajuda e a intromissão? Ou, mais genericamente, entre a solicitude própria e imprópria nos destinos e bem-estares dos outros? Por que Emma estava errada ao tentar “arranjar” a vida de Harriet? Ou por que Mr. Knightley estava certo aos tentar corrigir as idéias e o caráter de Emma?
Emma tratava Harriet como uma marionete enquanto Mr Knightley, vendo isso, a repreendia e aconselhava. Dentre os temas que se destacam na obra estão: o amor ao poder, ciúmes e sentimentalismo. Ryle chama a atenção também para o fato de as vidas das personagens estarem intimamente interligadas.
Com relação a “Mansfield Park”, Ryle a considera a obra mais didática de Austen. Ela trata nessa obras o vínculo entre as relações fraternais e conjugais. Quase todas as personagens estão sistematicamente descritas por aquilo que elas sentem ou não. A incapacidade ou não de serem bons maridos e boas esposas é função direta da ternura ou não que possuem com suas próprias famílias. A devoção de Fanny por seu irmão William, primos e tios resulta na recompensa de um casamento feliz, enquanto que a frieza de seu coração resulta para Maria em um desastre matrimonial.
Jane descreve as qualidade e defeitos das personagens tanto primárias quanto secundárias.
“Northanger Abbey” é um de seus seis romances que não possui temas abstratos na sua estrutura. Ryle acredita que, quando Jane escreveu este romance, houve nela a intenção de parodiar romances como “The Mysteries of Adolpho”. Descreve uma adolescente, agradávell mas crédula, olhando para o mundo atual através de um filme sobre romances góticos. Mas, mesmo aqui, o interesse ético veio logo fazer a sua contribuição. Para nós dentro em pouco começarmos a descobrir que Catherine, embora crédula sobre como anda o mundo atual, fosse completamente descrente sobre o que é certo ou errado, decoroso e indecoroso. Suas normas de conduta, ao contrário de seus critérios da atualidade, são de candura e escrupulosidade.
Jane começa “Northanger Abbey” menosprezando a credulidade fatual, mas tão logo tornou-se muito mais interessada na incredibilidade moral. Jane Austen, a moralista, torno-se Jane Austen, a parodiadora.

Parte II

Ryle pretende ser um pouco mais específico: quais idéias eram mais simpáticas para
Jane?
No século XVIII, e nos séculos seguintes também, haviam dois campos pelos quais tendiam os moralistas: o campo Calvinista e o Aristotélico. Um moralista do tipo calvinista pensa como um advogado de acusação, nos seres humanos como salvos e condenados, eleitos ou rejeitados, conduzidos ao céu ou ao inferno, santos ou pecadores. As pessoas são elevadas pela alma ou pelo espírito, razão ou consciência, mas são arrastadas para baixo pela paixão da carne, prazer, desejo ou inclinação. O homem é a combinação de uma parte branca angelical e de uma parte negra satânica. O sedutor de “The Vicar of Wakefield” é a malvadeza encarnada. Ele não tem nenhuma outra qualidade comum.
Em contraste, o padrão Aristotélico de idéias éticas representa as diferenças das pessoas. Eles diferem umas das outras em grau e não em tipo. Não julgam como os calvinistas. “A” é muito mais irritável e ambicioso que “B” porém, é menos indolente e sentimental. “C” é mais mesquinho e bem-humorado que “D” e este é mais ganancioso e atlético que “C”. Uma pessoa não é negra ou branca mas um arco-íris colorido e irradiante; não é uma superfície plana, mas uma superfície sólida e irregular.
As idéias morais de Jane são, com certas exceções, idéias do padrão Aristotélico e não Calvinista. Embora muito ela tenha aprendido com Johnson, isso não ocorreu com relação a moral. Quando Johnson busca ser eticamente solene, ele desenha as pessoas em preto e branco. Já as personagens de Jane são de todas as cores. Se um crítico calvinista nos perguntasse se Mr. Collins é abençoado ou amaldiçoado, a resposta seria de que ele não pertence a nenhum pólo. Santo? Pecador? Não. Ele é apenas estúpido e complacente, enfim, uma figura ridícula. Emma era boa, má?
Jane Austen se utiliza três ou quatro vezes (com óbvia relutância e embasamento literário) o processo preto e branco de um advogado de acusação. Willoughby em “Sense e Sensibility” tem, por detrás de seus atrativos exteriores, um coração negro.
Jane é tida também como exemplo ao retratar o complexo do pecado urbano. Homens santos e anjos não despertaram seu interesse literário. Ela apenas esqueceu que havia oficialmente um suposto modelo de perfeição, um pouco de esquecimento pelo qual não estávamos inclinados a reprová-la.
Jane não se opõe ao Calvinismo ao se utilizar do Aristotélico. Sua oposição foi também religiosa. Ryle não sugere com isto que ela seja ateísta. Ela apenas escreveu sobre isso. Ela desenha uma cortina entre “os pensamentos dominicais”, onde quer que estejam eles e a imaginação criativa dela. Suas heroínas buscam a solução para seus problemas sem recorrer aos discursos, idéias e doutrinas religiosas.
Além disso, há termos estéticos como “amostra moral”, “amostras literária e moral”, “beleza de idéias”, “a beleza da verdade e da sinceridade”, “delicadeza de princípios”, “sublime dos prazeres”. Há também uma correlação prevalecente entre senso de respeito, senso de propriedade e postura estética. Se falta uma dessas correlações em alguma personagem, logo faltam as outras duas.

Parte III

O sistema moral de Jane era secular, estético-ético aristoteliano. Shaftesbury, um século antes, assimilou o senso moral ao artístico, o gosto estético ao gosto moral. Um grego por estudo e predileção, ele segui Aristóteles em preferência a Platão, os Estácios e os Espiritualistas. Mais um deísta do que um cristão, baseou sua religião mais na ética e na estética do que na própria religião. Assim, as idéias de Jane derivaram direta ou indiretamente dele.
Deísta não foi um termo de abuso no qual poderia deixar de referir-se sem explicar ou fazer apologia a Descartes, Hobbes, Aristóteles, Epicuro e Spinoza
A assimilação dessas idéias por Jane não se deu por atmosfera literária eclesiástica. Ela talvez tenha conseguido através do próprio Shafterbury ou de um discípulo seu.

Com relação a seu vocabulário, Jane se apropria de uma muito mais dimensional. Descreve as suas personagens pelo temperamento, hábitos, humor, impulsos, sentimentos, etc. Deve-se destacar o fato de suas personagens não terem o hábito da auto-análise. Elas não têm conhecimento delas mesmas.
Jane e Shafterbury abordaram a grandeza das idéias e do pensamento que consideram a “alma” referida por Aristóteles.

Como conclusão, vale lembrar que ao longo dos séculos, biógrafos e críticos literários têm se perguntado como a tímida e reservada filha de um clérigo protestante do interior da Inglaterra viria a produzir livros tão sofisticados, como uma mulher de temperamento doce, morta aos 41 anos de idade, solteira e com pouco convívio social, se converteria em autora de romances tão irônicos e profundamente modernos, que não se enquadram em nenhum dos padrões literários característicos de sua época.



Bibliografia:
TRADITION AND MISS AUSTEN, J. I. M. Stewart

JANE AUSTEN AND THE MORALISTS, RYLE, Gilbert





1. Uma carruagem. Estilo de veículo favorito de damas ativas como a Sra. Elton em Emma.


2. O vestiário. Dependências da Assembléia Clifton, por R. Sharpes. Um bom exemplo do “cenário de conversas”, revelando a vestimenta e os costumes da alta sociedade


3. Salão, Bath. O cenário dos incidentes em Northanger Abbey. A principal hospedaria de Bath, The White Hart, onde os Musgroves se hospedaram em Persuasão, está situada ao oposto do salão.



4. Retrato de Fanny Burney por seu primo E. F. Burney depois de casamento dela com um francês, já como Sra. D’ Arblay. Apesar do chapéu e dos trajes, o rosto conserva a inconseqüente garotice a qual produziu as cartas reveladoras e Evelina.


5. Chawton – Chalé pertencente ao irmão de Jane Austen, Edward. Ele o deu a viúva Sra. Austen em 1809. As primeiras quatro novelas de Jane Austen foram publicadas enquanto ela morava aqui. Ela deixou o chalé apenas em 1817 quando se mudou para Winchester, onde morreu poucos meses depois.


6. Parque de Godmersham. A mansão pertencia ao primo de Austen, Thomas Knight.