FLORBELA
ESPANCA
Análise Acadêmica por Gelza Reis Cristo
Comentário: escrever um poema é como fazer uma massa: a inspiração vem primeiro.
Confrontam-se aqui duas obras, duas poesias
do mesmo título, de Florbela
Espanca. As poesias, com o mesmo
título: “EU”. Neste trabalho podemos estabelecer uma comparação entre os dois
momentos do eu-lírico quando tenta buscar uma definição para si próprio,
utiliza-se dos recursos da arte literária para formar a imagem de si mesmo. A
poetisa busca através da arte construir uma definição do “eu” em marcas
profundas, numa indefinição onde estabelece um conceito onde tenta encontrar a
auto-definição por definição. “Sai a que no mundo anda perdida”. O pronome
demonstrativo a (aquela), é usado
para mostrar e denunciar ou definir algo. Qual a definição procurada e
questionada?
Como a arte é valiosa, poucos vêm e poucos
notam, ela se encontra em todas as direções, ora como sonho, ora sofrida e mal
amada, ora nunca vista: morta. Todos passam e a cegueira não permite a visão do
belo que parece triste e da dor não compreendida.
Numa
Segunda leitura podemos perceber nos versos de Florbela certo grau de
distanciamento: o que, aquela que. Mas, quem é aquela quê? Um eu-lírico que generaliza aquilo que se diz
dele mesmo e alguma vez indetermina o que se diz. Por vezes se distância o “eu”
do “eu” um sendo a essência e outro a mente. Há um confronto de valor e
perdição, ora existe, ora não se sente. Por vezes sonha, por vezes sofre.
Escuridão, incertezas, nuvem que passa sem ser notada e que se dissipou sem ser
vista ou notada. Mostra um “eu” latente que... No "mundo anda perdida” e
em outro tempo diz que é um “eu” que não tem norte, sem direção e sem objetivo.
EU...
Eu
sou a que no mundo anda perdida,
Eu
sou a que na vida não tem norte,
Sou
a irmã do sonho, e desta sorte.
Sou
a crucificada... a dolorida...
Sombra
de névoa tênue e esvaecida,
E
que o destino amargo, triste e forte,
Impele
brutalmente para a morte!
Alma
de luto sempre incompreendida!...
Sou
aquela que passa e ninguém vê...
Sou
a que chamam triste sem o ser...
Sou
a que chora sem saber por quê...
Sou
talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém
que veio ao mundo pra me ver,
E
que nunca na vida me encontrou!
X
EU
Até
agora eu não me conhecia,
Julgava
que era Eu e eu não era
Aquela
que em meus versos descrevera
Tão
clara como a fonte e como o dia
Mas
que eu não era Eu não sabia
E,
mesmo que o soubesse, o não dissera...
Olhos
fitos em rútila quimera
Andava
atrás de mim... e não me via!
Andava
a procurar-me __ pobre louca! __
E
achei o meu olhar no teu olhar,
E
a minha boca sobre tua boca!
E
esta ânsia de viver que nada acalma,
É
a chama da tua alma a esbrasear
As
apagadas cinzas da minha alma!
No segundo poema, acontece o confronto do
“eu” que não se encontrava e não era visto, com o “eu” real com a alma em chamas. O passado estava
sendo observado como uma sombra de loucura que passara e dava espaço para o ver
e o sentir. O “eu-lírico” se apresentava como um espelho afogueando a sua alma
que queria viver e apagar as nevoa do passado dando espaços para as suas
qualidades, mostrando-se um ser que tem sentimentos e é capaz de ver a vida
como o bem mais precioso. O passado passou a ser algo questionável dentro dos
novos valores. A razão do “penso, logo existo” foi notada no brilho do olhar
pelo olhar e na visão do passado apenas como cinzas que se dissiparam nas
nuvens do passado.
Como
síntese, o primeiro poema é a morte a passar pela vida, e o Segunda como sendo
a vida ressucitando um “EU” que no passado havia morrido. Nascia uma luz de
entendimento entre o “Eu” mais o eu-lírico onde a vida (com sonhos e ilusões)
vencia a morte vista como cinzas do passado.
“-... rútila quimera”. Mesmo que se
conhecesse ainda tinha sonhos e ilusões. Na
poesia II o sentido do vazio foi achado e houve a necessidade de
completar-se um ao outro: “até agora eu não me conhecia”. Buscando a arte como
refugio.
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