sexta-feira, 13 de maio de 2011

Florbela Espanca

FLORBELA ESPANCA

Confrontam-se aqui duas obras, duas poesias do mesmo título, de Florbela Espanca. As poesias, com o mesmo título: “EU”. Neste trabalho podemos estabelecer uma comparação entre os dois momentos do eu-lírico quando tenta buscar uma definição para si próprio, utiliza-se dos recursos da arte literária para formar a imagem de si mesmo. A poetisa busca através da arte construir uma definição do “eu” em marcas profundas, numa indefinição onde estabelece um conceito onde tenta encontrar a auto-definição por definição. “Sai a que no mundo anda perdida”. O pronome demonstrativo a (aquela), é usado para mostrar e denunciar ou definir algo. Qual a definição procurada e questionada?
Como a arte é valiosa, poucos vêm e poucos notam, ela se encontra em todas as direções, ora como sonho, ora sofrida e mal amada, ora nunca vista: morta. Todos passam e a cegueira não permite a visão do belo que parece triste e da dor não compreendida. Numa Segunda leitura podemos perceber nos versos de Florbela um certo grau de distanciamento: o que, aquela que. Mas, quem é aquela quê? Um eu-lírico que generaliza aquilo que se diz dele mesmo e algumas vezes indetermina o que se diz. Por vezes se distância o “eu” do “eu” um sendo a essência e outro a mente. Há um confronto de valor e perdição, ora existe, ora não se sente. Por vezes sonha, por vezes sofre. Escuridão, incertezas, nuvem que passa sem ser notada e que se dissipou sem ser vista ou notada. Mostra um “eu” latente que... no mundo anda perdida” e em outro tempo diz que é um “eu” que não tem norte, sem direção e sem objetivo.

EU...

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

X

EU

Até agora eu não me conhecia,
Julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia

Mas que eu não era Eu não sabia
E, mesmo que o soubesse, o não dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim... e não me via!

Andava a procurar-me __ pobre louca! __
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre tua boca!

E esta ânsia de viver que nada acalma,
É a chama da tua alma a esbrasear
As apagada cinzas da minha alma!

No segundo poema, acontece o confronto do “eu” que não se encontrava e não era visto, com o “eu” real com a alma em chamas. O passado estava sendo observado como uma sombra de loucura que passara e dava espaço para o ver e o sentir. O “eu-lírico” se apresentava como um espelho afogueando a sua alma que queria viver e apagar es nevoas do passado dando espaços para as suas qualidades, mostrando-se um ser que tem sentimentos e é capaz de ver a vida como o bem mais precioso. O passado passou a ser algo questionável dentro dos novos valores. A razão do “penso, logo existo” foi notada no brilho do olhar pelo olhar e na visão do passado apenas como cinzas que se dissiparam nas nuvens do passado.

Como síntese, o primeiro poema é a morte a passar pela vida, e o Segunda como sendo a vida ressucitando um “EU” que no passado havia morrido. Nascia uma luz de entendimento entre o “Eu” mais o eu-lírico onde a vida (com sonhos e ilusões) vencia a morte vista como cinzas do passado.
” - ... rútila quimera”. Mesmo que se conhecesse ainda tinha sonhos e ilusões. Na
poesia II o sentido do vazio foi achado e houve a necessidade de completar-se um ao outro: “até agora eu não me conhecia” . Buscando a arte como refugio.

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