Especulações Em Torno da Palavra HOMEM
Carlos Drumond de Andrade
Mas que coisa é homem,
Que há sob o nome:
Uma geografia?
Um ser metafísico?
Uma fábula sem
signo que a desmonte?
Como pode o homem
Sentir-se a si mesmo,
Quando o mundo some?
Como vai o homem
Junto de outro homem,
Sem perder o nome?
E não perde o nome
E o sal que ele come
Nada lhe acrescenta
Nem lhe subtrai
Da doação do pai?
Como se faz um homem?
Apenas deitar,
Copular, à espera
Que do abdômem
Brote a flor do homem?
Como se fazer
A si mesmo antes
De fazer o homem?
Fabricar o pai
E o pai e outro pai
E um pai mais remoto
Que o primeiro homem?
Quanto vale o homem?
Menos , mais que o peso?
Hoje mais que ontem
Vale menos, velho?
Vale menos morto?
Menos um que outro?
Se o valor do homem
É medida de homem?
Como morre o homem?
Como começa a?
Sua morte é fome
Que a si mesma come?
Morre a cada passo?
Quando dorme morre?
Quando morre, morre?
A morte do homem
Consemelha a goma
Que ele masca, ponche
Que ele sorve, sono
Que ele brinca, incerto
De estar perto, longe?
Morre, sonha o homem?
Por que morre o homem?
Campeia outra forma
De existir sem vida?
Fareja outra vida
Não já repetida,
Em doido horizonte
Indaga outro homem?
Por que morte e homem
Andam de mãos dadas
E são tão engraçadas
As horas do homem?
Mas que coisa é homem?
Tem medo de morte,
Mata-se, sem medo?
Ou medo é que o mata
Com punhal de prata,
Laço de gravata,
Pulo sobre a ponte?
Por que vive o homem,
Se é certo que vive?
Que oculta na fronte?
E por que não conta
Seu todo segredo
Mesmo em tom esconso?
Por que mente o homem?
Mente mente mente
Desesperadamente?
Por que não se cala,
Se a mentira fala,
Em tudo que sente?
Por que chora o homem?
Que choro compensa
O mal de ser homem?
Mas que dor é homem?
Homem como pode
Descobrir que dói?
Há alma no homem?
E quem pôs na alma
Algo que a destrói?
Como sabe o homem
O que é sua alma
E o que é alma anônima?
Para que serve o homem?
Para estrumar flores,
Para tecer contos?
Para servir o homem?
Para criar Deus?
Sabe Deus do homem?
E sabe o demônio?
Como quer o homem
Ser destino fonte?
Que milagre é o homem?
Que sonho, que sombra?
Mas, existe o homem?
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